Sunday, June 30, 2013

Por que não vou às ruas protestar

Ok, “o gigante acordou”, “o povo descobriu a sua força”, “não é só pelos 20 centavos”, e outras fases bonitas de efeito. Que lindo, ver o povo finalmente saindo às ruas para reivindicar seus direitos. Só tem um porém: Brasileiro não sabe protestar.

Não estou falando isso por causa do quebra-quebra. Tirando meia-dúzia de gatos pingados, que podem, inclusive, ser pessoal infiltrado, essa manifestação tem sido quase sempre pacífica.

Digo isso porque essa manifestação vai acabar sendo um tiro no nosso pé. Quer saber por que eu penso assim?

MOTIVO NUMERO UM: O QUE EU QUERO, MESMO?

O primeiro problema é que os manifestantes não sabem o que querem.

Ou até sabem, mas não têm a menor idéia de como funciona o sistema político brasileiro, a constituição, as leis, etc. Acham que a Dilma é dona do Brasil e pode fazer o que quiser, como quiser, quando quiser.

Nas manifestações do tempo da ditadura, o objetivo dos manifestantes era bem claro: eleições diretas. Tão logo houvesse alguma mudança na política que levasse ao objetivo, a manifestações parariam.

No caso dos caras-pintadas do Fora Collor, supondo que a verdade fosse mesmo essa que a mídia e a história contam, também havia um objetivo claro: derrubar o então presidente Fernando Collor. E tão logo ele renunciasse ou sofresse o impeachment, o motivo das manifestações deixaria de existir e o povo iria para casa.

No caso da manifestação dos vinte centavos, se ela mantivesse o foco inicial, também teria efeito. Assim que a passagem deixasse de subir, tudo voltaria à normalidade.

Porém, segundo os próprios manifestantes, “não é só pelos vinte centavos. Estamos protestando contra a corrupção, contra a PEC 37, contra a Copa, pela melhoria na saúde pública, na segurança e na educação e pela redução dos impostos”.

E depois ficam bravos quando um político diz que eles não sabem o que querem.

Se fosse um protesto contra o aumento na tarifa, OU contra a PEC 37, OU a favor do aborto, OU a favor da liberação da maconha, OU qualquer outro objetivo específico, haveria algo que os políticos poderiam fazer a respeito: alterar uma lei, vetar outra, criar outra, reduzir impostos, organizar um plebiscito ou referendo, etc.

Mas exigir tudo de uma vez? O que os manifestantes esperam com isso? Que, de uma hora para outra, se altere todas as leis do Brasil, se faça a reforma política e a reforma tributária, que vêm se arrastando a anos (desde o tempo FHC), que se refaça um segundo round do julgamento dos acusados do mensalão, que se altere o orçamento já previsto para 2013 e 2014, para, sem nenhum planejamento, direcionar mais dinheiro para a educação e a saúde?

Imaginar que isso seria sequer possível demonstra um imenso analfabetismo político. Não é assim que as coisas funcionam em nenhum país organizado. Talvez se possa fazer algo parecido com isso em algum país regido por algum ditador irresponsável, que não é obrigado a seguir nenhuma lei, mas também não é isso que nosso o povo quer. Ou é?

Isso parece um exigência de sequestradores que mantém reféns. Só que num filme de comédia: "Queremos 30 milhões em notas usadas de baixo valor, um helicóptero, coletes à prova de balas, uma pizza quatro queijos, uma de calabresa sem cebola e dois litros de coca-cola gelada. E quatro copos descartáveis com personagens da Disney desenhados. E quatro canudinhos coloridos dobráveis. De cores diferentes. E um conjunto de canetinhas da Hello Kitty. E uma foto autografada do Michael Jackson. E a Bruna Marquezine na Playboy de agosto"

Outra coisa que, apesar de alguns sentimentos serem comuns (odiar a corrupção, querer melhor educação e saúde), cada manifestante tem seus próprios interesses. Uns querem passe livre, outros querem o veto da PEC 37 (muitos sem nem mesmo saber o que ela propõe), e assim vai. Não me surpreenderia ver, lado a lado, manifestantes portando cartazes contra e a favor do aborto e contra e a favor da PLC 122.

SEGUNDO MOTIVO: NÃO QUERO SER MASSA DE MANOBRA

Mais estranho é que esse movimento só apareceu agora, sendo que o povo é oprimido há anos. Há vários anos as tarifas de transporte coletivo, água, luz, telefonia, pedágio, plano de saúde, etc, sobem acima da inflação. Mas porque só agora, coincidentemente poucos meses depois que, em muitas cidades importantes como São Paulo e Curitiba, certos partido perderam poder, é que o povo resolveu se mexer?

Ainda mais se levarmos em conta que, em poucos meses, não há praticamente nada que um novo prefeito possa fazer. Nessa etapa, ele ainda tem que conviver com contratos já firmados na administração anterior, orçamentos já definidos pelo antecessor e assim em diante. 

Será que não há mesmo interesse político nisso?

O grupo Anonymous reivindica boa parte da autoria da manifestação. Mas quem garante? Respeito o grupo, acredito que tenha boas intenções por trás, mas:

Primeiro: quem garante que é mesmo o grupo Anonymous oficial que está por trás disso? Afinal, qualquer um, até mesmo eu, ou um político macaco velho, pode se aproveitar da credibilidade do grupo Anonymous entre os jovens, se enfiar atrás de uma máscara, convocar uma guerra civil e ficar da sacada do seu apartamento de luxo vendo o circo pegar fogo.

Segundo: Nem mesmo o grupo Anonymous é infalível. Eles já fizeram merda ano passado, com a onda de ataques a sites de bancos; ataques que não trouxeram nada de bom. Pelo contrário, causaram a aprovação às pressas da Lei Azeredo, que tinha por objetivo principal reduzir o poder da Internet e criminalizar coisas importantes na rede, como o anonimato.

Apesar de os manifestantes estarem dizendo que a manifestação não é política, e não estarem tolerando que se levante bandeiras de partidos, não demorou para que certos políticos, justo aqueles mais sujos, já se mostrassem na mídia a favor da manifestação, como se não fosse com eles. Mais ou menos como o cara que peida no elevador lotado e depois diz “Nossa, que cheiro ruim. Que falta de respeito que certas pessoas têm!”.

TERCEIRO MOTIVO: NÂO QUERO A IMPREN$A COLOCANDO PALAVRAS NA MINHA BOCA

Quem sabe de verdade como funciona a imprensa e o que ocorreu no fenômeno Caras-Pintada sabe que você é aquilo que a Globo (e Estadão, Folha, Veja) quer que você seja.

Vamos supor que sou um dos chefões da Globo. Primeiro, chantageio o governo para obter algo que eu quero: mais verba, um empréstimo, mais concessões de rádio e TV, ou algo assim. Se ele estiver disposto a me dar isso, abafo a manifestação. Senão, aumento (e alimento) ela.

Depois, dependendo do que me interessar mais, eu faço a manifestação parecer o que me é mais conveniente.

Por exemplo, eu posso querer que a manifestação seja em prol do Aborto, ou da Maconha, ou contra a exploração do pré-sal, ou qualquer coisa.

Para não citar questões polêmicas, vou fazer de conta que é de meu interesse proibir chicletes sabor morango. Afinal, um dos meus maiores anunciantes e parceiros comerciais só tem chicletes sabor menta, e vamos ganhar uma boa grana eliminando os chicletes de morango do mercado.

Então eu contrato meia dúzia de pessoas para ostentar cartazes contra os chicletes de morango. Infiltro elas no meio da multidão. Dou close nesse grupo. Entrevisto um ou dois deles. Depois faço uma tomada de longe, de helicóptero, mostrando a praça lotada com 100 mil pessoas. Pronto. Fabriquei uma manifestação com 100 mil pessoas querendo a proibição dos chicletes de morango.

Ah, mas quem estava na manifestação sabe que o verdadeiro motivo não era esse.

E daí? Quantas pessoas estão mesmo nas ruas? Um por cento da população? Dois por cento, talvez? Então ainda restam 98% que estão acompanhando as notícias pelo Jornal Nacional e estão convencidos de que o povo quer mesmo a proibição do chiclete de morango.

E logo o congresso convoca uma sessão de emergência para votar o projeto de lei que bane o chicletes de morango. E a Globo transmite ao vivo. E ai do político que votar contra. Ele nunca mais será eleito. Afinal, “todo mundo” quer isso. Então, por medo, eles votam a favor.

Pronto. meia dúzia de pessoas receberam déiz reau para portar um cartaz contra o chiclete de morango e 99.994 pessoas, sem querer, ajudaram a fabricar as notícias e a proibir o produto.

QUARTO MOTIVO: NÃO QUERO DERRUBAR O GOVERNO.

Não sou petista. Não recebo um centavo do governo. Não recebo bolsa-família nem qualquer outro benefício. Pago impostos como todo mundo. Reclamo quando eles são mal gastos. Xingo quando tenho que buscar saúde pública. Fico indignado com a falta de segurança. Não concordo com tudo o que o governo faz. Acho que tem muita cagada (a Copa, por exemplo).

Mas não é por isso que vou ajudar a tentar derrubar um governo eleito democraticamente.

Primeiro, que, ao contrário do que pode parecer, derrubar um governo não é motivo de orgulho em nenhum lugar do mundo. Pelo contrário, é motivo de vergonha, é assumir que o povo é tão corrupto, que nem mesmo a pessoa mais importante do país consegue ser honesta.

Além disso, traz uma imensa insegurança política e econômica para possíveis investidores, dando a impressão de que o país é uma bagunça, dominada por corrupção sem controle por todo lado, e que nem mesmo se pode acreditar que o político eleito vai continuar até o fim de seu mandato.

Segundo, que os prefeitos atuais mal tomaram posse. Eles ainda estão na inércia dos antecessores, tentando consertar as burradas feitas pelos governos anteriores. 

Já quanto ao presidente e os governadores, falta pouco mais de um ano para as eleições. Vou mostrar se estou satisfeito ou não nas urnas, de modo democrático.

Terceiro, que governar não é tão fácil como parece.

Pra começar, o presidente NÃO É DONO do Brasil. O governador NÃO É DONO do estado. E o prefeito NÃO É DONO da cidade. Todos eles governam com mãos atadas. Eles têm que seguir leis rigorosas, nem sempre adequadas. E não podem ficar inventando moda sozinhos. Praticamente toda decisão tem que ser aprovada pelo congresso. O que é lento. Muito lento.

Além disso, não se pode gerar dinheiro do nada. Se o Governo quiser dobrar o investimento em educação, por exemplo, ele tem três possibilidades:
1. Imprimir mais dinheiro e gerar inflação
2. Aumentar impostos
3. Retirar dinheiro de outra área

Nenhuma delas é fácil, indolor e sem efeitos colaterais.

Sobre a copa, ela realmente foi um erro. Foi comprometido dinheiro do povo brasileiro em um evento que, no final das contas, só beneficiará bilionários como as empreiteiras, a FIFA, dono de hotéis de luxo e talvez meia dúzia de pessoas do povo que conseguiram e conseguirão emprego temporário nas obras e no eventos. E só. Mas já está feito. Não adianta agora chorar. O dinheiro já foi gasto e contratos foram assinados.

A título de curiosidade, o orçamento da União para 2013 é mais ou menos assim:
  • 40% para pagar juros. Ou seja, 900 bilhões de reais vão para os bolsos de banqueiros bilionários.
  • 30% para pagar aposentadorias; e com isso, restam apenas
  • 30% para gastar com saúde, educação, segurança, transportes, assistência social, repasse aos estados e municípios, bolsa-família, investimentos em estatais, etc.
O orçamento para 2014 ainda não está totalmente definido, mas não deve fugir muito disso.

E se você acha que gastar 40% do orçamento com juros é muito (eu acho), note que isso é agora, que a taxa de juros paga pelo governo está na casa dos 8% ao ano. Imagine então, como seria, se o governo mantivesse a taxa de 20 a 30% ao ano, que era praticada a 12 anos atrás.

Além disso, se esse governo atual é ruim, não podemos esquecer que os anteriores não foram tão melhores quanto algumas pessoas insistem em pensar.

Quem discorda disso, é porque:

  • Não lembra dos 30% de inflação mensal dos governos Pré-Real, sendo que o salário só era reajustado a cada 3 meses.
  • Não lembra que, no final do governo FHC, o salário mínimo era de 64 dólares.
  • Não lembra que governos anteriores também foram marcados por dezenas de escândalos de corrupção: Proer, Sivan, Sanguessugas, anões do orçamento, compra de votos para aprovar a reeleição, Encol, guarda-chuvas, Banestado, FonteCindam, precatórios, pedágios, privatizações pra lá de duvidosas e muitos outros. O caso dos bancos públicos e dos precatórios, por exemplo, desviou do povo quantias muito maiores do que as atribuídas ao Mensalão, mas caíram no esquecimento da imprensa.
  • Não lembra que há 20 anos só 2% das pessoas tinham curso superior, pois pobre não entrava na faculdade porque não existia ENEM, PROUNI, SISU, FIES.
  • Não lembra que até existiam alguns medicamentos gratuitos na rede pública de saúde. Mas só para quem tinha AIDS. Quem tinha câncer, gastrite ou uma simples gripe, que comprasse na farmácia.
  • Não lembra que havia apagões por falta de infraestrutura na energia elétrica, por conta de 20 anos sem a construção de novas usinas.
  • Lembra que não havia tanta filas nos aeroportos, mas não se toca que isso podia ser porque as passagens mais baratas custavam na faixa dos mil reais.
O que me dá medo é que essas manifestações sejam usadas para dar um golpe de estado, tirar um chefe de estado eleito legitimamente, para dar lugar a uma nova ditadura, seja ela militar ou não.

QUINTO MOTIVO: A COXINHIZAÇÃO DO MOVIMENTO (novo)

O movimento começou com um movimento político de esquerda, defendendo ideais concretos e de esquerda: a redução das tarifas de transporte público, para torná-lo mais acessível à população.

Mas logo o movimento foi sequestrado pela classe média reacionária que desvirtuou todos os objetivos e fez o movimento virar uma vitrine para os ideias que fariam Hitler derrubar lágrimas de emoção:

Julgamento - e rejulgamento - mais rigoroso e sumário dos acusados do Mensalão, mesmo aqueles que já foram julgados absolvidos; Fim de cotas, bolsas, e qualquer outro auxílio; Redução de impostos; Saída imediata, sem julgamento, de um político que foi eleito presidente do senado - adivinhem - pelos senadores; Manifestações contra e a favor do aborto, a favor da pena de morte, da redução da idade penal, etc.

Ou seja, todos esses ideais tipicamente de intolerância. Ok, alguns em busca de justiça penal, mas nenhum deles um ideal realmente visando justiça social, inclusão, distribuição de renda, etc. Todos olhando para o próprio umbigo.

CONCLUSÃO:

Me chamem quando houver uma manifestação com objetivos justos e definidos, e com pessoas unidas em prol de uma só causa.



Porque de uma manifestação desorganizada, sem objetivos definidos, feita com pessoas que não sabem o que querem, nem o que pode ser feito, que têm boas intenções mas não se tocam que estão se tornando massa de manobra da mídia e de políticos sujos, estou fora. Isso vai dar merda.

No comments:

Post a Comment